
A favor do país está o fato de o mapa de produção de aves não coincidir com o das rotas migratórias. As principais rotas, e pontos de parada, envolvem os rios Araguaia e Paraguai e lagoas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Por outro lado, a própria cordilheira dos Andes e a floresta amazônica funcionam como muros biológicos de proteção contra a chegada do vírus em maior quantidade.
O pesquisador Luizinho Caron, da Embrapa Aves e Suínos, em Concórdia (SC), observa que, até agora, a maior parte dos surtos na América do Sul aconteceu em aves silvestres ou em criações domésticas. “Em nossa avicultura de corte, a questão está bem encaminhada, porque já temos proteção antipássaros, telas de uma polegada, para impedir a aproximação das aves. Nos Estados Unidos, a quantidade de aves silvestres é muito maior do que a nossa, em função do clima e da proximidade deles com o polo norte. Lá, como na Europa e no sudoeste asiático, há grandes produções de aves aquáticas, marrecos, patos e gansos, nos mesmos lagos onde vão as aves silvestres. É uma confusão de influenza”, aponta o pesquisador.
O Brasil já tem um reconhecimento internacional de regiões sanitárias e geográficas distintas, dentro do próprio território. Assim, caso o vírus chegue por aqui, não haveria porque o país perder mercado de forma significativa. Medidas saneadoras seriam tomadas por compartimentos ou áreas. Ricardo Santin, da ABPA, vai além, e não vê motivo para qualquer embargo comercial. “A infecção em aves silvestres, em aves selvagens ou de fundo de quintal não fecha o comércio. Tanto é que os Estados Unidos e Europa estão exportando”, observa.
Por outro lado, no jogo do comércio, nem sempre essas premissas acabam confirmadas. É o que aponta Juliana Ferraz, analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA Esalq/USP): “Pensando friamente, o pessoal age de acordo com os interesses próprios. Se essa doença vier a atingir rebanhos comerciais, que é a grande preocupação, daí sem a gente vai ter problemas. A partir do momento que surge o registro no Brasil, pode ser impeditivo para que outros países queiram aumentar as compras de carnes brasileiras ou até mesmo barrar as exportações por um período. A gente já conseguiu ver isso em relação à China com a Alemanha, no caso da peste suína africana”.
Se permanecer livre do vírus, o Brasil deve ampliar ainda mais sua fatia no mercado internacional de frango. E o recado aos consumidores é de que isso não deve se refletir no aumento de preços domésticos. “Nós estamos sempre com oferta superior ao que aumentam as exportações. Não deve haver nenhum impacto direto no mercado interno, não vai faltar carne”, assegura Santin.
Por vias tortas, a cadeia produtiva brasileira de aves tem sido beneficiada. Além do impacto global da gripe aviária, a guerra na Ucrânia prejudicou as exportações de um dos maiores produtores de frango da Europa. “Foi um ano em que se abriram várias janelas de oportunidades. Antes de o ano encerrar o ano, a gente já tinha batido o recorde”, sublinha Juliana Ferraz.
Os números ainda não estão fechados, mas a estimativa da ABPA é que a produção de frango brasileira tenha encerrado 2022 em 14,5 milhões de toneladas, 1,5% mais do que em 2021, levando o país a superar a China no segundo lugar do ranking mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. Desse total, 9,7 milhões de toneladas ficam no mercado doméstico, enquanto 4,85 milhões de toneladas seguem para mais de 150 países.
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