
O documento do Fórum Econômico afirma ser urgente encontrar mecanismos que incentivem os produtores a conservar as áreas de Cerrado excedentes à Reserva Legal, e isso a por novas políticas e compromissos ambientais, incentivos à não conversão, reforço na fiscalização e criação de valor para áreas preservadas ou restauradas. 4z3d39
“Além de políticas restritivas e compromissos voluntários, o reforço positivo através de incentivos financeiros e soluções financeiras combinadas desempenha um papel fundamental para tornar a preservação da vegetação nativa uma oportunidade ambiental e de negócio mais atraente. O papel das instituições multilaterais no fornecimento de recursos de baixo custo em grande escala será provavelmente um fator crucial para o sucesso de restringir o o ao mercado de produtos menos sustentáveis", diz o documento.
"Já existem vários apoios financeiros, compliance e pacotes de estímulo do governo brasileiro, associações empresariais e filantrópicas que dão e a atividades agrícolas alinhadas com a proteção da vegetação nativa, com a restauração das áreas degradadas e outras medidas para acelerar a implementação de uma economia mais sustentável”, prossegue o texto.
A divulgação do relatório do Fórum Econômico Mundial simultaneamente à presença da comitiva brasileira na Europa pregando uma “moratória do Cerrado” não seria mera coincidência.
“Desde a Rio-92 tivemos uma quantidade enorme de estatização de terras. Muitas sequer forma pagas; foram, na prática, expropriadas. Estamos falando de unidades de conservação, de terras indígenas, de reforma agrária. Esse processo de estatização de terras tem apoio desses mesmos grupos de interesse articulados nos eventos da última semana. Esse é o processo. É o processo de tirar competitividade do Brasil. Nestes interesses estão ONGs, instituições financeiras e os grandes oligopólios representados no Fórum Econômico Mundial. E temos, também, o casamento de interesse com os agricultores europeus”, afirma Lunardelli.
Pressões externas à parte, para o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), coordenador do Grupo de Pesquisa em Interação Atmosfera-Bioesfera da mesma universidade, e membro do Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, Marcos Heil Costa, o país faria bem em preservar o que resta do Cerrado. Ele aponta que as reservas indígenas e as unidades de conservação não cobrem área expressiva no bioma e que as exigências de 20% de Reserva Legal (para os campos gerais) e de 35% para o Cerrado amazônico também “são, percentualmente, pouca coisa”.
“O Cerrado como vegetação presta vários serviços ecossistêmicos que estão sendo perdidos à medida em que é desmatado. O ideal seria interromper o desmatamento e adotar projetos diversos de intensificação sustentável e medidas de conservação de solo e água, como as preconizadas pelo Plano ABC+”, afirma Costa.
Dentre os serviços ecossistêmicos que estariam sendo perdidos com a conversão do uso do solo no Cerrado, Costa destaca a “injeção de vapor d’água na atmosfera”.
“Durante a estação seca, o Cerrado evapotranspira algo da ordem de 1 mm/dia. Em contrapartida, uma terra destinada a culturas agrícolas, no final da estação seca, evapotranspira zero, pois não há cultura no solo no final da estação seca. Essa diferença é fundamental para prover umidade para a atmosfera antecipar o início da estação chuvosa", afirma o pesquisador.
"Tem sido verificado que a estação chuvosa começa algumas semanas depois em áreas desmatadas do que em áreas ainda cobertas por vegetação nativa. Isso tem reflexos na possibilidade de fazer duas safras de sequeiro no Cerrado, na geração de energia elétrica (principalmente em barragens a fio d'água) e na suscetibilidade do próprio Cerrado a queimadas”, diz.
Outro serviço sistêmico prestado pela vegetação nativa do Cerrado seria o “controle da desertificação”, ao evitar a erosão hídrica e eólica. Em outro aspecto, de prevenção de enchentes, Costa afirma que “a presença do Cerrado aumenta a infiltração de água no solo, reduz o escoamento superficial rápido e reduz também o transporte de sedimentos, que causa assoreamento dos rios e piora ainda mais as enchentes”.
“O desmatamento do Cerrado causa efeitos que afetam dezenas de milhões de brasileiros. Um agricultor que está desmatando a sua terra pode não estar sentindo os efeitos diretos do desmatamento, mas os demais ao seu redor (na direção do vento, na direção do rio) estão sentindo esse efeito. E o serviço gratuito que o Cerrado deixa de fazer acaba sendo pago pela sociedade de maneira geral, de acordo com a maneira com que cada um é afetado”, afirma Costa.
“Por isso eu acho que deveríamos interromper o desmatamento do Cerrado, preservando pelo menos metade do bioma, e intensificar de forma sustentável o restante, para produzir mais sem desmatar mais e sem perder mais serviços ecossistêmicos”, recomenda o pesquisador.
Quanto aos produtores que possuam excedente de Reserva Legal nas propriedades, Costa entende que, para não haver prejuízo, seria papel do governo criar condições favoráveis à intensificação das atividades de maneira sustentável, aumentando a produção sem desmatar.
“Acho que a melhor alternativa não é proibição ou restrição, mas incentivos e investimentos por parte do governo. Existem regiões do Cerrado relativamente carentes de infraestrutura, em que os agricultores querem instalar ou expandir a irrigação, mas são limitados pelas linhas de transmissão disponíveis, ou pela potência das linhas de transmissão disponíveis", diz.
"É um caso típico em que o governo pode fazer um acordo com os fazendeiros, que se comprometeriam a não desmatar mais em troca do investimento em linha de transmissão adequada para que todos pudessem instalar/expandir a sua irrigação, respeitados, é claro, a disponibilidade de recursos hídricos superficiais e subterrâneos e outros critérios ambientais. Com esse investimento por parte do governo, a terra aria a ser mais valorizada”, exemplifica.
Outro estudioso do solo e do bioma Cerrado, Ciro Rosolem, professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), entende que a fatia já reservada à preservação pela legislação brasileira é suficiente para assegurar um equilíbrio entre a produção e a conservação.
“Uma agricultura bem feita no Cerrado aumenta o teor de matéria orgânica, melhora a saúde do solo. Vai diminuir um pouco a biodiversidade de microorganismos, mas ainda teremos 35% da área preservada. Mesmo que use toda a área que o Código Florestal permite desmatar, não vamos chegar a 12% ou 13% da área total do Brasil. Esse [desmatamento zero] é um jogo dos europeus, e não podemos entrar no jogo deles”, afirma Rosolem.
O professor da Unesp entende que outros países têm direito de estabelecer regras próprias, mas não de dizer o que o Brasil precisa fazer com suas terras.
“Se eles querem regulamentar, temos de dizer ‘tudo bem’, mas vai custar tanto. Eles não podem proibir nada no Brasil. Uma coisa maravilhosa é que se a Europa imp todas as restrições que eles têm lá, as nossas são ainda maiores", diz.
"O Brasil é hoje o maior produtor de soja certificada do mundo, o maior produtor de algodão responsável do mundo, temos o maior programa mundial de agricultura de baixo carbono. A briga desses brasileiros (que pedem a inclusão do Cerrado na lei antidesmatamento europeia) é política e ideológica, não é ambiente, não é agricultura, não é segurança alimentar”, enfatiza.
O produtor rural e indígena Arnaldo Zunizakae, cuja tribo Paresi cultiva 19 mil hectares de grãos em Mato Grosso, e preserva 1,3 milhão de hectares de mata nativa, desconfia da motivação dos outros indígenas que foram à Europa pedir boicote aos produtos de novas áreas convertidas no Cerrado.
“A gente precisa ver quem está bancando esse povo lá. Quem levou eles para lá e por que estão lá? Isso tudo é coisa articulada, infelizmente é assim que funciona”, afirma.
A Gazeta do Povo fez contato com a Apib e com a Rede Cerrado, para esclarecimentos sobre os motivos da missão à Europa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
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